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Reportagem Every Time I Die em Lisboa
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Foi na passada terça-feira (13/12/2011) a estreia absoluta dos nova-iorquinos Every Time I Die em Portugal. A banda é há muito tempo uma das referências mais marcantes e carismáticas no rock pesado do novo milénio, a remar contra a corrente emo com a rijeza típica do sul dos EUA. Apresentaram-se finalmente num Santiago Alquimista bastante cheio pela mão da Oh Damn! Productions.
Os franceses Vera Cruz, banda de abertura, podem ser um pouco style over substance mas é fácil de perdoar, quando o estilo é tanto. A energia em palco foi provavelmente a mais implacável da noite, com o vocalista (brilhantemente apelidado de Black Flav na página da banda no Facebook) a ocupar a clareira em frente ao palco e a preenchê-la com a fúria de quem quer a todo o custo justificar a viagem até Lisboa. Mesmo com o relativo desconhecimento da parte do público, a dinâmica com que o hardcore dos Vera Cruz foi despejado não se perdeu ao longo dos 30 minutos do concerto. Esta força vai com certeza recompensá-los com novos seguidores.
Preparados para lançar o segundo álbum estão os Hills Have Eyes, de Setúbal. Embora já andem a dar cartas desde meados da década passada, a banda ganhou sem dúvida uma nova vida com o álbum de estreia Black Book, de 2010. Para o comprovar está o alinhamento do concerto de hoje, todo ele em torno deste álbum e do segundo álbum Strangers, a ser lançado em 2012. À formação actual, que integra ex-membros de Twentyinchburial e One Hundred Steps, juntou-se para este concerto o Vitor Teixeira, dos Before The Torn, na guitarra.
O público, já mais aconchegado à frente do palco, acompanhou com emoção os temas mais fortes de Black Book como “Daydreaming...” e “Hey Hater!”, com os refrões melódicos enormes a surgir no meio de riffs que os próprios Every Time I Die não desdenhariam. No entanto, o tema mais celebrado foi mesmo o novíssimo “Strangers”, o que nos diz não só que é importante investir nos clips musicais, mas também que os Hills Have Eyes continuam a crescer e a chegar a novos públicos.
Com a entrada em palco um pouco adiada por problemas técnicos, foi já a caminho da meia noite que se deu início à banda do dia, com “Apocalypse Now And Then”, tema que abre o álbum Gutter Phenomenon de 2005. Alimentados a Sagres e com muitas semanas de estrada em cima, a actuação dos Every Time I Die teve toda a sujidade e a pujança que se ansiava. Um infeliz degrau numa zona crítica de acção impedia a ocorrência dos circle pits que surgiriam naturalmente em músicas como “Bored Stiff”, por isso o público amontoou-se violentamente junto ao separador de palco, que foi não só uma plataforma de interacção com a banda mas também de stage dive constante.
Os menos corajosos e mais velhos juntaram-se em torno do palco no balcão de cima, o que só ajudou a tornar o concerto ainda mais caloroso. Algumas horas antes, no Curto Circuito, Nuno Silva dos Hills Have Eyes prometeu ao vocalista Keith Buckley que no Santiago Alquimista as pessoas saltavam dos balcões, e assim foi – Keith agradeceu ao público a noite excepcional, dizendo que estavam a ver muitas coisas “fixes” pela primeira vez. Em momentos incendiários como os singles “Ebolarama”, “We'rewolf” e “Floater”, a fechar a noite, o público deu trabalho e irritações aos seguranças, que foram afastados do palco pela banda desde o princípio. Talvez se esperasse um concerto mais longo de uma estreia tão aguardada, mas há voos para apanhar e aulas no dia seguinte.
Fica, como sempre, a esperança de um regresso em breve, num recinto que obrigue a que se desçam as escadas e se levem uns estalos de amizade.
Reportagem Kylesa no Santiago Alquimista
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Noite tripla de concertos no Santiago Alquimista: a sala de espetáculos lisboeta recebeu os norte-americanos Kylesa na passada sexta-feira, acompanhados pelos Circle Takes the Square e KEN mode, ambos estreantes em Portugal. Em tour europeia e um dia depois de terem atuado no Hard Club portuense, as três bandas uniram-se para proporcionar uma noite de inegável qualidade, aos poucos (mas bons) que subiram à Rua de Santiago, a 19 de janeiro de 2012.
Não há lugar para principiantes aqui. Apesar de lhes ter calhado a tarefa de abrir a noite e de apenas tocarem cerca de 40 minutos, os KEN mode (abreviatura da citação “kill everyone now mode”, repescado ao lendário Henry Rollins) não hesitaram em mostrar todo o peso do seu material a quem os quisesse ouvir. Foi, de facto, uma boa exibição dos três membros da banda canadiana, que já conta com mais de dez anos de carreira, trazendo a Lisboa Venerable, do ano passado. Sludge metal aliado a noise rock, é uma fórmula que não desagrada às escassas filas de ouvintes da sala lisboeta, mas que também não agita por aí além: é compreensível, com o calibres dos nomes que se avizinhavam.
E que grande nome se seguiu. A estreia muito esperada dos Circle Takes the Square trouxe ao Santiago Alquimista uma espécie de fãs de culto que nada poderão apontar contra a prestação dos norte-americanos. A banda liderada por Drew Speziale e Kathy Coppola, ambos vocalistas e um na guitarra, outra no baixo, certamente não deixa ninguém indiferente e estes mostraram-se uma ótima mudança em relação ao sludge frenético e denso da banda anterior. Proclamam-se como criadores de ‘punk rock apocaliptico’, mas são na verdade uma banda screamo com twist: tanto na oposição da voz feminina à masculina (em jeito de chamamento e resposta), como na variedade de influências que transformam e fazem do estilo a sua própria criação, tal como o progressivo e o post rock.
É também de reparar na enorme excelência técnica que acompanha os temas complexos (e por vezes até bizarros), destreza essa que se traduz perfeitamente ao vivo. Se o baterista Caleb Collins é extremamente técnico sem se esforçar demasiado, tanto Coppola e Speziale manuseiam os seus intrumentos de forma perfeita, dedilhado as progressões e as sequências de tempo frenéticas na maior das facilidades. E se o duro executam sem falha, são as partes mais calmas e experimentais que elevam os Circle Takes the Square a banda seguir sem hesitação. Com um novo esforço lançado no ano anterior (Decompositions, Vol. 1), os norte-americanos estão de volta aos concertos, no entanto, As the Roots Undo continuou a estrela do alinhamento. "Same Shade as Concrete", "Crowquill" e "Non Objective Portrait of Karma" foram alguns dos pontos de interesse de um concerto que durou cerca de uma hora.
Se o balanço desta noite de concertos já era positivo, só faltava mesmo a entrada da banda cabeça de cartaz para se tornar ainda melhor. Os Kylesa deram um concerto explosivo, embora muito marcado por algumas falhas de som, especialmente a nível das vozes, que às vezes mal passavam por sussurros.
O quinteto norte-americano formado em 2001 mostra que é um dos nomes de relevo da cena hard rock/sludge, mas torna a categorização algo difícil por se recusar a limitar a um só género. Se Static Tensions (2009) era um álbum mais pesado, mais duro, com maior pujança, no mais recente esforço da banda, Spiral Shadow (2010), é o rock psicadélico que dá ares de sua graça, intercalado com o sludge metal. "Tired Climb", tema que inicia Spiral Shadows, é tão brutal como contido, onde as vozes de Laura Pleasants e Phillip Cope se exibem e misturam na perfeição. "To Forget" e "Forsaken" são outros exemplos de como a flexibilidade musical dos norte-americanos se torna verdadeiramente uma vantagem – os temas compostos são tão complexos como catchy e capazes de capturar a atenção de diversos fãs de música.
É de notar que também são verdadeiramente bons a atuar ao vivo, tanto com os dois bateristas que podiam ganhar medalha de ouro no desporto de bateria sincronizada (sempre complementando-se e nunca em demasia), como na perícia técnica de Pleasants na guitarra a solo, injetando solos de hard rock sulista à energia criada pelos temas de Kylesa, que raramente baixa. Mais do que isso, sabem como fazer um espetáculo ao vivo, aproveitando as pausas para fazer pequenas jams em cada instrumento – e se o público estático parece apenas abanar as cabeças, foi crescendo impaciente e energético ao longo do concerto. Os temas de Spiral Shadows e Static Tensions são claramente o foco do alinhamento, mas não foram esquecidos "Bottom Line" e "Hollow Severer", de esforços anteriores.
A pausa para encore deu lugar a "Running Red" e, por fim, a ‘Where the Horizon Unfolds’, deixando os fãs a pedir mais, mas relativamente satisfeitos.
Foi, então, uma autêntica tour de force que abanou as paredes do Santiago Alquimista, e esperemos que voltem em breve.
Reportagem Active Child em Lisboa
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O dia mais lamechas do ano, por excelência de muitos, foi passado na sala de espectáculos do Lux na companhia do norte-americano Patrick Grossi, mentor de Active Child, com o propósito de apresentar o recém lançado You Are All I See (2011), sucessor do EP Curtis Lane (2010).
A estreia nos palcos nacionais, depois de digressões com James Blake, White Lies e M83, superou as espectativas de muitos, numa noite calma que divagou entre o chillwave e dream pop deste projecto que segundo a demasiado aclamada Pitchfork considera tais sonoridades avant-garde.
A fila da frente é a já habitual em tudo o que é concerto de banda acabada de sair da fábrica, à parte disso o restante auditório foi como seria de esperar composto por uns quantos casais melosos. “You Are All I See” e logo de seguida “High Priestess” encheram a sala com uma sonoridade surpreendente, enquanto Patrick Grossi embalava os presentes com melodias enternecedoras sentado à frente da sua harpa que mais tarde trocou pelo teclado. A combinação mais que improvável entre uma harpa, bateria e teclado resultaram na perfeição, enquanto que os presentes se deixavam embrenhar, muitos deles de olhos fechados ou simplesmente com oscilações corporais, pela voz etérea e hipnotizante de Grossi sobrecarregada de sensações quase que no panorama do transcendente.
Conversa foi também algo que não faltou na minúscula cave da discoteca Lux onde foram trocadas algumas palavras ao longo de uma hora e onde não poderia faltar a pergunta da praxe: “How is everyone feeling on this Valentine’s Day?”. Surpreendido pela reação do público e pela quantidade de presentes a assistir à estreia, agradeceu por mais que uma vez e deu continuidade ao concerto, desta vez com “Shield & Sword” à qual sucedeu “Playing House”, infelizmente sem Tom Krell, cabeça do projecto How To Dress Well. A falta de presença de Krell poderá não ter sido notória pela parte de muitos dos presentes, no entanto a música acabou por perder parte do ênfase e potencial inicial.
A sala não estava de facto cheia, foi no entanto na continuidade de sonoridades melancólicas que esta se compôs num concerto centrado essencialmente nos temas do albúm como “Diamond Heart”, “See Through Eyes” e “Way To Fast”. De volta à harpa e quase a terminar, Patrick Grossi presenteou o público com “Hanging On”, single de You Are All I See que era claramente a predilecta e a tão esperada dos espectadores que fizeram questão de a declamar em uníssimo. O EP Curtis Lane esteve de igual modo presente com “When Your Love is Safe” e “I’m In Your Church At Night”, sendo que a última acabou apenas por surgir no Encore. A primeira parte termina com “Johnny Belinda” e com um forte agradecimento que deixa o público crente que a noite ainda não terminou.
De volta ao palco entre palmas e comentários, o concerto não poderia ter encerrado de melhor forma. “Ivy”, faixa instrumental que desconcertou a sala lisboeta, terminou com a viagem, desta vez tomando um rumo progressivo que provocou uma explosão de aplausos fortes e mais que merecidos a este projecto que congelou a multidão, quer pela voz coral de Grossi quer pela edificação e junção de instrumentos que fazem de Active Child algo inovador e harmonioso.
Texto: Mariana Cáceres
Reportagem Sights & Sounds
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Sábado passado (18/02/2012) a República da Música, em Alvalade, viu regressar a Lisboa os canadianos Sights & Sounds, de Andrew Neufeld (Comeback Kid), entre concertos em Loulé e no Porto.
A banda de suporte da digressão, os americanos Constants, não terá tido a recepção mais calorosa por parte do público. O seu pós-metal vagamente shoegazer (ver Alcest, Katatonia), apesar de brilhantemente executado, não surpreendeu nem cativou um público maioritariamente concentrado na parte de trás da sala, junto ao bar. A banda respondeu com uma frieza à altura.
Em seguida atuou Sam Alone, o alter ego de Apolinário Correia (Devil In Me, Cascavel, Sons of Misfortune) que presta homenagem ao cancionismo norte-americano. As músicas do ainda reduzido catálogo de Sam Alone confundiram-se harmoniosamente com os clássicos interpretados, de Jimi Hendrix (“Red House”) a Patti Smith (“Because The Night”). Carismático, convincente, e acompanhado de uma banda bem oleada, Sam Alone conseguiu aproximar o público do palco e arrancar alguns coros. No final, despediu-se com o single “Youth In The Dark” (do álbum a ser editado pela Rastilho num futuro próximo), dedicado, não à juventude, mas à classe operária “que paga por erros que não cometeu”.
Os Sights & Sounds, como já se ouvia falar por aí, são uma banda de peso ao vivo. Apesar da sonoridade polida e progressiva, aqui apoiada por samples e teclas, a entrega é a da escola hardcore e a dureza, é, portanto, a de quem anda na estrada. A banda continua, ao fim de mais de dois anos, a tocar em promoção do (soberbo) disco Monolith, de 2009, pelo que o concerto não trouxe grandes novidades para quem os viu nessa altura. A abrir esteve o rock épico de “Storm And The Sun” e “Sorrows”, deste mesmo disco, a fazer lembrar por vezes uma versão mais musculada dos Sparta. Andrew Neufeld aproveitou o intervalo entre músicas para declarar o seu amor a Portugal e aos amigos portugueses, relembrando uma vez em que os Comeback Kid vieram tocar a Portugal e foram socorridos pela roupa interior de Apolinário Correia quando perderam as malas. As potentíssimas “Neighbours” e “Reconcile” mostraram uma voz agressiva e incansável digna de um Dave Grohl, mas foi a delicadeza melódica de “The Clutter” que colocou um ponto final num concerto sem falhas de um dos segredos mais bem guardados do pós-hardcore.
Texto: Bernardo Pereira