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Reportagem Anna Calvi no Hard Club - Porto
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Os Dear Telephone são alguns de Braga e outros de Barcelos. Um grupo de amigos e companheiros que se juntaram para formar a banda que se estreou em 2010. Composta por Graciela Coelho, André Simão, Paulo Araújo e Pedro Oliveira a banda deu-se a conhecer num concerto na Casa da Música em Junho e, mais tarde, no festival Milhões de Festa.
A banda portuense fez as honras da casa para o muito esperado concerto de Anna Calvi, consigo trouxe o primeiro registo “Birth os a Robot” que saiu em Março deste ano e desde então tem sido apresentado um pouco por todas as mais conceituadas salas de espectáculo do país desde o CCVF (Guimarães), Clube Ferroviário (Lisboa), Salão Brazil (Coimbra), Casa da Música (Porto) e agora o Hard Club.
Anna Calvi deu-se a conhecer nos palcos do Optimus Alive e, meses mais tarde, arrastando consigo um grande número de fãs, actua no Porto, no Hard Club. A poucos minutos do concerto se iniciar, muitos eram os que aguardavam por aquela cantora elegante, bem vestida e de sapatos de salto com a guitarra nas mãos.
De lábios vermelhos e camisa a condizer, Anna Calvi entra em palco recebida com um mar de aplausos que tenta estender-se até que soam os primeiros acordes do belíssimo e prolongado solo de “Rider to the Sea”.
Sempre com um sorriso tímido nos lábios Anna Calvi demonstra-se uma pessoa reservada em cada pequena pausa entre músicas. Navegando entre as belas vozes de Nina Simone e Maria Callas, o rock de Jimi Hendrix e a postura em palco de David Bowie, esta mistura de personalidades fortíssimas e marcantes fez de si uma exemplar estrela.
O concerto continua com “No More Words” e “Blackout” onde se denota a minúcia de cada instrumento dedicado para cada música; dos chocalhos ao harmonium (instrumento tradicional indiano) a música de Anna Calvi é camuflada de diversas texturas sonoras que fazem do seu trabalho algo muito rico e sobretudo surpreendente.
O público, sempre de olhos postos no palco, não perde uma oportunidade para lançar aplausos e elogios àquela que se sente embaraçada com tão belas palavras que por lá se ouvia. Por lá ainda se ouviu “Morning Light”, “Suzanne and I” e “Desire”, single de estreia e talvez uma das mais grandiosas músicas do seu álbum. Não faltaram elogios ouvidos por parte do público “Obrigado por teres vindo”, “Obrigada por nos
receberem” naquele tom doce que já nos habituamos por parte de Anna.
Depois de “Love Won’t Be Leaving” que marcou uma quase despedida deste tão íntimo concerto, Anna Calvi, Dan Maiden-Wood (baterista) e Mally Harpaz (harmonium, percurssão e guitarra) regressam ao palco para se despedirem ao som de “The Devil” e “Jezebel”, música que ainda não foi gravada.
A cantora britânica despediu-se com as memórias de um público afectivo e caloroso que a recebeu de braços abertos e espera, certamente, que regresse muito em breve.
Reportagem Mão Morta no TMN ao vivo
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Os Mão Morta, parece, são como o vinho: melhoram com a idade. É um caso notável não tanto de longevidade, mas de qualidade constante numa carreira que foi sempre consistente mas experimental, de uma banda que nunca teve medo de tentar algo diferente, mantendo sempre a alma sonora que a torna tão única (tanto aqui como lá fora).
Ao vivo, felizmente, têm também essa ideia. O início desta nova digressão, feito numa sala cheia ou bem lá perto, viu o repescar de alguns grandes temas do passado que tiveram a excelente companhia de alguns temais mais do presente (as canções de “Pesadelo em Peluche” resultam muito bem ao vivo). Os Mão Morta tocam o que querem tocar (parece que já não querem mesmo tocar Lisboa (“Por Entre as Sombras e o Lixo”); é uma música “desactualizada”, disse Adolfo), e fazem-no sempre com a mestria de quem anda nisto há décadas, sabendo escolher bem de entre o catálogo que têm. Bastou logo a espantosa “Aum”, segunda música do concerto, para perceber bem que seria uma noite de perfeito equilíbrio, num alinhamento bem pensado e conseguido.
Num palco envolto em fumo e com um espectáculo de luzes simples mas muito eficaz, o que se viveu foi uma noite de rock das entranhas, como só eles fazem tão bem, onde se viu um balanço constante entre o apoteótico e o envolvente; veja-se a canção que abriu o concerto, a magnífica "Tiago Capitão", saída do seu último disco e já um hino da banda. Intensa, num crescendo tanto instrumental como vocal, com Adolfo a cantar cada vez com mais alma (e isso é algo que não lhe falta) aquele refrão que todo o público sabia já de cor.
Adolfo Luxúria Caníbal é, aliás, o motor que move tudo. Um dos maiores (senão o maior) vocalistas da nossa história, é em palco tão intimidante quanto imponente, possesso e com olhar indomável enquanto canta, encarnando em todo o corpo as palavras que lhe saem da boca. Balança-se, contorce-se, e no final do concerto atira-se ao chão, encharcado em suor, com as guitarras em “Anarquista Duval” a acompanhar a queda. A banda é, claro, toda ela espectacular. Há em Mão Morta algo que não existe em mais lado nenhum, uma mescla de estilos desde o spoken-word ao post-punk que se equilibram entre si, graças a um grupo de músicos fenomenais (aquelas guitarras…) que tocam ainda com a perfeição com que o faziam há anos atrás.
Foi rock como mais ninguém faz, épico e energético, frequentemente apoteótico e por vezes arrepiante. “Berlim (Morreu a Nove)” continua tão espectacular como sempre, tal como a grande “Destilo Ódio” (talvez a grande surpresa da noite), que teve como introdução um pequeno discurso de Adolfo em que este criticou a forma como os media nos têm infestado com toda esta crise que vive o país (e o mundo). Se tem razão? Sim. Se precisava de se referir tantas vezes a isso durante o concerto? Não. Afinal de contas, é como ele próprio diz: estamos todos fartos de ouvir falar sobre o assunto. Inclusive em concertos.
O trio final de canções, antes da saída de palco, foi uma sequência de génio: “Escravos do Desejo”, “E Se Depois” (sempre esmagadora) e, claro, a obrigatória “1º de Novembro”, cujo coro já várias vezes tinha sido cantado ao longo do concerto por um público que ansiava por a ouvir e que teve, já perto do fim, em palco uma dançarina exótica (uma surpresa desnecessária). Um final espectacular, que teve depois um trio de encores em que a energia não esmoreceu. “As Tetas da Alienação” (mais uma boa surpresa) e “Vamos Fugir” (mais uma obrigatória) foram o primeiro regresso da banda ao palco, que depois voltaria ainda, perante um público que o pedia de forma ensurdecedora e que esteve conquistado do início ao fim, para tocar “Charles Manson” (impossível não adorar aquele riff) e, no último e não planeado regresso ao palco, a grande “Anarquista Duval”, que viu aplausos e gritos de celebração mal foi anunciada por Adolfo. O melhor final possível, com aquela que é de longe uma das mais vertiginosas canções da banda.
É bom ver que continuam numa forma invejável, tocando como poucos o fazem, dando concertos como por cá mais ninguém dá. E é, também, ver o respeito que têm em relação a si mesmos e ao seu público, certificando-se que do palco saem não tanto as canções mais conhecidas ou populares (não houve “Budapeste” para ninguém, e ainda bem), mas antes as melhores, que em concerto proporcionam os melhores momentos.
Foi o que se esperava, de quem se esperava: um concerto grandioso, dado por uma banda grandiosa.
Reportagem A Hawk and a Hacksaw em Lisboa
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Um cine-concerto. Este é um conceito com o qual nos deparamos pouco em Portugal, mas foi uma das grandes provas da versatilidade dos A Hawk and a Hacksaw, nesta passagem pelo Teatro Maria Matos, em Lisboa. A missão era a de tocar uma nova banda sonora para o filme "Shadows of Forgotten Ancestors", de Sergei Paradjanov – e se foram sucedidos, é difícil dizer, mas foi certamente uma experiência diferente.
Os dois membros da banda, Heather Trost e o membro fundador e antigo baterista dos Neutral Milk Hotel, Jeremy Barnes, podem ter como nacionalidade a norte-americana, mas diríamos que fazem tudo para a eclipsar. Viveram dois anos em Budapeste, onde mergulharam no panorama folk do leste europeu e o fascínio de ambos pela música folk balcã é tanto que esta influência está profundamente enraizada no material que lançaram desde o nascimento do projecto a solo de Barnes, em 2000 (sendo 'The Way the Wind Blows', de 2006, sem dúvida o ponto alto desta parceria).
Parte violino, parte acordeão, a dupla sempre mostrou uma enorme mestria nos seus instrumentos e nesta actuação ao vivo, isso não deixou de acontecer - apenas numa fórmula diferente.
A longa metragem ucraniana, de 1964, passada numa pequena vila dos Cárpatos, tem como ponto focal a relação trágica de Ivan e de Marichka, filha do assassino do seu pai, enfatizada pela beleza natural, o tema de magia e dança alegórica e o folclore nas montanhas do centro/este europeu. Barnes e Trost, empunhando o acordeão e o violino, respectivamente, dedicaram-se a compor uma nova banda sonora para o filme de Paradjanov, dando-lhe todo o foque da actuação, tocando de cada lado do ecrã, praticamente às escuras. Se o filme não foge à temática que tanto inspira a dupla norte-americana, o material composto certamente serve que nem uma luva à obra cinematográfica: as melodias e os ritmos folk são tão ritmados e frenéticos como assoladores, levando perfeitamente a dor de Ivan ao público presente, durante mais ou menos uma hora e meia.
Sem grandes destaques, foi um conceito menos fácil de seguir, é verdade, mas que não deixou de ser interessante.
A versatilidade e qualidade musical dos A Hawk and a Hacksaw fez com a sessão valesse a pena, mas para os mais difíceis de convencer, não deve ter deixado grande marca.
Espera-se, então, que a banda norte-americana volte rapidamente a solo Português para apresentar, de forma convencional, um novo trabalho original, podendo-se assim agradar a gregos e a troianos.
Reportagem Within Temptation no Coliseu de Lisboa
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Noite negra e esgotada, no regresso do grupo de culto (ou talvez seja o género em si que é um culto por cá) ao país, após uma passagem pelo Porto. Muitas t-shirts negras, algumas quarentonas com rendas nos braços, piercings com mais de 10 centímetros (sem exageros), e um público com grande parte dele numa faixa etária acima dos 30 ou até dos 40, mostrando bem o tipo de público devoto que os Within Temptation têm por cá. Camarotes cheios, plateia cheia, público até no último andar do coliseu… já há algum tempo que os alfacinhas não enchiam assim a sua sala.
E a noite começou, exactamente, com gente de cá em palco. Os Kandia, que abriram a noite, conseguiram conquistar graças a um rock forte e energético, de músicas longas e bem pensadas. Foi uma escolha ideal para a noite, já que se encaixam na perfeição dentro do género da banda principal, e tiveram portanto à sua frente o público ideal. Uma vocalista com genuíno prazer no que fazia, um óptimo guitarrista (a guitarra é, aliás, o cerne de tudo), e um baterista e um baixista em sintonia perfeita. Uma primeira parte bem dada, que serviu na perfeição para aquecer as hostes. No futuro, talvez venhamos a ouvir falar mais deles.
Meia-hora depois, começava o espectáculo dos Within Temptation. E espectáculo é, de facto, a palavra certa. Um palco de dois andares, um ecrã gigante (de excelente qualidade) que ia projectando vídeos em cada música, um jogo de luz impressionante… um belo jogo audiovisual, bem pensado e executado, dado por uma banda que obviamente se preocupa com a imagem que projecta.
Preocupa-se, aliás, talvez demais. Começar o concerto com uma curta-metragem talvez não tenha sido a melhor ideia, tal como não o foi mostrar outra mais à frente. Percebe-se que queiram enquadrar e dar a mostrar o suposto conceito por trás do último álbum que agora apresentavam, The Unforgiving (do qual tocaram praticamente tudo), mas pedia-se mais subtileza. Afinal de contas, aquilo acabou por se reflectir como um golpe no ritmo do concerto, e, simplesmente, não acrescentou rigorosamente nada. E para quê tantos vídeos em cada canção, e todos eles por vezes tão pensados e, ao mesmo tempo, tão aleatórios? Porque é que haviam javalis em CGI que pareciam saídos do World of Warcraft?
Porque é que aquele homem estava a lutar no ecrã com outro? E como é que de repente ele fica sem t-shirt e começa a chover (isso deve ter sido ideia da Sharon)? Todo o aparato visual destoou por vezes, distraindo até daquilo que era o que realmente interessava: a música. Não há problema nenhum em fazer um espectáculo assim, claro. Mas faltou uma fusão entre o que se ouvia e o que se via (algo, por exemplo, tão bem conseguido por Sufjan Stevens, que tocou naquela mesma sala este ano).
Claro que esta acabou por ser uma falha menor, que se ia revelando apenas em certos momentos (a sério, aqueles javalis…) no concerto de uma banda que, efectivamente, talvez se preocupe demasiado com mitologia celta/druida e afins (mas, lá está, deve ser também isso que os fãs adoram neles). O concerto, francamente bom do início ao fim, raramente deixou de ser imponente e impressionante, não tanto pelo aparato já mencionado, mas antes pelas canções em si, tão potentes e tão bem tocadas, sempre apoiadas pela bela voz de uma óptima vocalista. O último disco resulta francamente bem ao vivo, tal como o início com Shot in the Dark demonstrou logo. Energia pura, sob a forma de acima de tudo dois bons guitarristas, que preenchem todo o espaço do coliseu com ondas de ruído.
O alinhamento concentrou-se, portanto, maioritariamente no último disco, mas não faltaram também os êxitos do passado. "Ice Queen" foi recebida de braços no ar (muitos deles, mas mesmo muito, com telemóveis ou máquinas fotográficas na mão), tal como "The Howling", a apoteótica "Our Solemn Hour" (espectacular ao vivo) ou, claro, a inevitável "Memories" (momento lindíssimo). Sentia-se no ar a devoção pura de um público que estava ali a cantar as letras a altos berros, com os seus ídolos em palco. A banda parecia ela própria satisfeita, mesmo não estando particularmente comunicativa. Os sorrisos eram constantes, raramente se afastavam da berma do palco, e foi em particular nos encores, tocados com tanta diversão quanto alma, que se viu bem o quanto gostavam de ali estar. O público, esse, mostrou-se quase religioso do início ao fim.
Tinha bastado Memories, a terminar o corpo principal do alinhamento, para a noite estar ganha, mas os dois encores asseguraram-se de que a qualidade se mantinha lá em cima. "Deceiver of Fools", a fabulosa e muito aplaudida e cantada "Mother Earth", compuseram o primeiro, tendo ficado Stairway to the Skies (a última do mais recente disco) tido a honra de encerrar na perfeição uma noite que ficará provavelmente marcada na memória dos milhares de fãs que encheram o coliseu. No final, a banda faz uma vénia, e desce até do palco para cumprimentar os fãs; algo raro, hoje em dia.
Para os grandes fãs, deverá ter sido uma noite memorável, que irão relembrar por muito, muito tempo; para os curiosos (como eu), foi sem dúvida um belo concerto.
Há cultos que não se percebem, bandas que ao vivo são incompreensivelmente adoradas e aplaudidas.
Os Within Temptation, felizmente, defendem ao vivo muito bem o seu repertório, e dão um concerto impressionante e (e este é talvez o maior elogio) consistente, onde os bons momentos se vão sucedendo. Podemos não partilhar o culto… mas com concertos assim, este percebe-se.