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Reportagem MGMT - Lisboa
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Antes deles, os Smith Westerns abriram o palco. Uma banda jovem de Chicago, simpáticos e que canalizam a energia para as músicas que interpretam. Apenas meia hora chegou para mostrar que são uma banda merecedora de atenção.
O relógio marcava uns minutos depois das 22h quando as luzes se apagaram e a exaltação se instalou. Apresentações? Podem ser dispensadas, mas para quem não viu a banda a apresentar o seu álbum “Oracular Spectacular” - eleito pela NME como o melhor de 2008 - no Optimus Alive! de há dois anos (ninguém vos culpa, The National estava a tocar no palco principal), este era um concerto a não perder.
A não perder pelos fãs, por aqueles que os entendem, por todos aqueles que compreendem o segundo álbum, por todos os que sabem que a “Kids” não é tudo na vida dos MGMT e por aqueles que sabem que a “Siberian Breaks” (durante a qual muitos adormeceram, para além de terem saído do concerto a achar que durante esse tempo se tocaram quatro músicas diferentes) é muito mais um espelho do que os MGMT querem alcançar. A “Kids” é genial, sim, mas já lá vamos.
Depois de um cumprimento por parte de Andrew, “The Youth” fez as honras. Andrew e Ben, a juventude em pessoa, fazem música para graúdos. E não falo de idades. Ainda que os seus fãs sejam maioritariamente jovens, o público perfeito para temas como “Time to Pretend” e “Electric Feel”, foram temas como “The Handshake” ou mesmo “The Youth” (ambos ainda do primeiro álbum) que provaram no palco secundário do Optimus Alive! que têm muitos mais que se lhes diga do que uma mera combinação de notas que fica presa no ouvido. “Congratulations” assumiu por completo o rumo que já havia sido criado em “Oracular Spectacular” mas feito de uma maneira mais directa. E a verdade é que as actuações de MGMT ao vivo complementam todo o trabalho da banda ao criar cada álbum. Falo de tudo, desde luzes a vídeos, às interpretações em si e à maneira como as mesmas são feitas.
E assim foi mais uma vez. “The Youth” foi fantástica e no fim do tema, já Andrew tinha nas mãos uma bandeira portuguesa. “Time to Pretend” seguiu logo a seguir. Escusado é dizer que o público delirou, afinal de contas era um dos momentos mais esperados por todos. “Song for Dan Treacy” (sobre um cantor inglês dos anos 90 que serviu pena na prisão) manteve todos a dançar, antes de outro tema antigo: “Weekend Wars”. Mesmo sendo do álbum anterior, não arrebatou o entusiasmo que merecia, ainda para mais ao vivo, onde ganha – ainda mais – vida!
Andrew, tímido (ou absorvido?) tocou ferrinhos e pegou numa guitarra acústica para interpretar “I Found a Whistle”. A música fala disso mesmo: de um apito. Um apito que a certo ponto rima com pistola, numa letra que complementa a composição e vice-versa. A mistura dos mais diversos sons e instrumentos sempre teve um papel importante no trabalho dos MGMT. No novo álbum, tal aspecto foi ainda mais explorado e “I Found a Whistle”, por mais subtil que possa ser, é uma prova disso mesmo. No clímax da música, o enorme ecrã atrás da banda ganhou vida e vídeos com cores e jogos de ilusões e formas inundaram o recinto.
Propícia a mais delírios, “Flash Delirium” entra em cena. Sendo o tema que é – fantástico, digo –, seria de esperar que o público se deixasse levar mais. Mas para lá das primeiras filas, o entusiasmo não transparecia tanto. Continuando o sistema de alternar entre o álbum novo e o seu antecessor, começaram-se a ouvir os primeiros acordes de “Of Moons, Birds and Monsters”. E a quebrar o ciclo, veio então “Electric Feel”. O público ficou, sem dúvida, eléctrico (perdoem o trocadilho).
De máscara de Rudolfo, a Rena, o teclista desejou a todos um Natal Feliz. Banda de poucas palavras, todos os seus membros sabem que o espectáculo resulta muito melhor da maneira que é executado. Directo ao que interessa: a música. Que continuou com “It’s Working”, tema de abertura de “Congratulations”, mesmo antes de uma surpresa: “Destrokk”, um dos primeiros temas que os MGMT criaram. Data de 2005, tirado do EP “Time to Pretend”. As mãos no ar contavam-se pelos dedos, bem como as pessoas que conheciam o tema. Contudo, pelo final da interpretação, o tema já reunia um número de fãs que aumentara exponencialmente em 3 minutos.
No álbum, “Siberian Breaks” tem 12 minutos. Tocada ao vivo ronda o mesmo tempo. Um tema complexo, uma autêntica viagem por entre sons, instrumentos e combinações. Ao ouvir “Congratulations”, torna-se difícil distinguir o princípio e fim dos vários temas. E a beleza do álbum está nisso mesmo: no sucesso que foi ao ser criado como um todo, uma evolução, uma jornada. Assim, torna-se mais difícil ter-se temas tão independentes como “Time to Pretend”. Por isso não foi de admirar que metade do Campo Pequeno estivesse estática ao fim de 5 minutos, depois de terem pensado que a música já acabara pelo menos duas vezes. Mas não se preocupem, caros espectadores, pois eis que chega o momento alto da noite, pelo qual todos esperavam.
“Kids” não consegue entrar subtilmente numa actuação, e nem é isso que se pretende. A música é fenomenal de tão simples que é. Ao vivo ou em casa, é impossível ficar indiferente, digam o que disseram. Não tardará muito a que se torne num autêntico hino, ao lado de “Seven Nation Army” dos White Stripes ou “We Are the Champions” dos Queen. O desagrado da banda em relação ao público ir a concertos na mera esperança de a ver ao vivo, muito mais que às outras (sobretudo depois da recepção do novo álbum, que dividiu muitas opiniões) é no entanto evidente: já abandonaram um recinto em Londres sem ter tocado o tema, devido à falta de entusiasmo ou sequer interesse demonstrado pelos “fãs”.
Andrew e Ben a postos, tal como haviam feito no Optimus Alive!, cantavam lado a lado. Andrew limpou inclusive suor da testa do teclista que agora fascinava de guitarra eléctrica em mãos. O recinto saltava como se não houvesse amanhã, como se todos ali fossem crianças de novo, por 5 minutos. E isso não sabe tão bem?
Mas o que soube ainda melhor foi “Brian Eno” ter-se-lhe seguido. A homenagem da banda ao artista – que outra palavra usar para reunir tudo o que Eno é? – não só evidencia as suas admirações como desejos íntimos: «We're always one step behind him, he's Brian Eno. Brian Eno!». Antes dos últimos acordes, Andrew agradeceu a todos por terem vindo e tornado o espectáculo óptimo. A música terminou e a banda saiu.
Poucos minutos depois, estavam de volta. Andrew voltou a agradecer e elogiar o público por cantar tão bem. Isto porque durante o encore, só se ouviu… adivinharam: “Kids”! Com mais duas músicas para encher o ouvido, “The Handshake” foi a primeira. Palavras para quê? Os MGMT sabem o que fazem quando entram num estúdio, quando pisam um palco, quando tocam os instrumentos e quanto nos deliciam durante 10 minutos seguidos com instrumentais de mestre.
Para o fim, haveria melhor opção que “Congratulations”? Claro que não. A palavra era entoada pelos fãs de forma intensa, num agradecimento por mais um concerto assombroso. De sorriso nos lábios, a banda abandonou o palco então de vez, depois da dose de alucinação (no bom sentido) que havia proporcionado. Não é impossível de todo que alguém tenha passado na rua e tenha visto o Campo Pequeno a planar no ar sob um céu pintado com as cores do arco-íris, onde golfinhos com asas saltavam por entre nuvens que choviam gotas brilhantes multicolores.
Em 2008, os MGMT fizeram o palco secundário do Optimus Alive! crescer a olhos vistos perante um recinto mais que lotado.
Em 2010, levaram o Campo Pequeno numa viagem que poucos saberão apreciar como ela merece, mas decerto nunca irão esquecer. A quem conseguiu perceber o que estavam a presenciar, resta-nos esperar que a próxima vinda não demore tanto tempo outra vez.
Reportagem AS61 - Um tributo a António Sérgio - Lisboa
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Sem fronteiras, sempre com qualidade
António Sérgio é um daqueles nomes que viverá para sempre no legado que deixou para trás. Nas bandas que descobriu (Xutos & Pontapés, entre outros), na geração que marcou, nos amantes de música que criou. Símbolo de uma era em que se gravavam em cassete os programas de rádio, em que se juntava dinheiro para comprar aquele disco, em que só fazia música quem realmente tinha alma para a fazer e não quem tinha um computador e um programa de edição. Símbolo de um passado que já foi, mas que muito influenciou o presente.
A noite de homenagem que se viveu no São Jorge, num serão de concertos de todos os géneros e gerações, foi a melhor forma possível de o homenagear. Colocar aquelas bandas, umas jovens outras veteranas, umas dum género outras de outro, no mesmo palco foi a homenagem ideal para um homem que sempre lutou pela quebra de fronteiras entre géneros, que sempre lutou pelo direito à diferença. O que se viu não foi, afinal de contas, apenas uma noite de belos concertos (uns melhores que outros, claro): foi também o ideal de vida e a alma de um homem que deixou para sempre uma forte e feliz marca na vida musical do nosso país.
Foram, portanto, vários concertos, todos eles diferentes, todos eles bons à sua maneira. Seis bandas: Dead Combo, Os Golpes, Linda Martini, Peste e Sida, Moonspell e Xutos & Pontapés, com esta mesma ordem de entrada. Cerca de quatro horas de boa música, com o melhor do que se faz (ou já se fez) por cá no mesmo palco, num São Jorge previsivelmente esgotado.
Os primeiros foram, então os Dead Combo, que em apenas meia-hora (o tempo dado a cada banda) mostraram o porquê de serem hoje em dia das bandas mais interessantes por cá. Numa selecção óptima, tocaram um alinhamento consistente e que representa todo o seu estilo. Começaram com uma cover fenomenal, feita de propósito para aquela noite, de I Feel Love, de Donna Summer, e de seguida continuaram passando por tais temas como Pacheco e a espectacular Temptation, de Tom Waits. No início, Tó Trips leu um lindíssimo texto da banda escrito de homenagem a António Sérgio, nome que seria evocado regularmente ao longo da noite. Deram meia-hora de excelente música, que certamente terá criado a curiosidade em quem antes não os conhecia, e saíram do palco com o dever mais que cumprido. Fenomenais, como sempre.
De seguida, vieram Os Golpes. Concerto agradável, mas longe de fazer jus ao que a banda é capaz. Quem já antes os tinha visto sabe bem que são capazes de muito, muito melhor, e o alinhamento em si não foi do melhor (faltaram canções do grande Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco). O novo disco parece bom, sem dúvida, e canções como A Brasileira ou Vá Lá Senhora resultam bem, mas estão bem longe daquilo que a banda é capaz. Foi bom, mas poderia ter sido muito melhor. Mesmo com tão pouco tempo…
Os Linda Martini foram os que entraram a seguir, e o que fizeram foi um pequeno milagre. Meia-hora de guitarras ao poder, com grande parte do público de pé após o apelo da banda para que abandonassem as cadeiras, com um rock como só eles conseguem fazer. Num alinhamento que se ficou pelo último álbum, Casa Ocupada, a banda provou o quão bem resultam ao vivo as novas canções (algo que não deverá ter surpreendido quem os viu num dos últimos concertos que deram cá na capital). Conseguiram em pouco tempo criar uma onda de energia que varreu o São Jorge, com canções como Juventude Sónica (épica) ou Nós os Outros a fazer tremer (literalmente) as cadeiras da sala. Terminaram com uma grande cover de Sémen, a canção intemporal dos Xutos & Pontapés, que mais tarde voltaria a ser ouvida, com um São Jorge de pé em estado transcendente. Grandes, como sempre.
Os Peste e Sida entraram a seguir, naquele que foi nada mais nada menos que um puro regresso ao passado. Num alinhamento maioritariamente de clássicos, todos os quarentões da sala e não só levantaram-se para saudar a banda que marcou uma geração de ouvintes. Punk-rock puro, como raramente se fez por cá, tocado por um grupo que ainda está em forma. Canções como Chuta Chavalo e Vamos ao Trabalho (esta já dos anos noventa) são verdadeiros hinos, e quando o concerto terminou em pura apoteose com a grande Sol da Caparica (claro!), o impacto que a banda teve e o legado que tem tornou-se inegável. Belo concerto, tanto para os mais velhos como para os mais novos.
Os Moonspell, banda que se seguiu, já não têm nada a provar a ninguém. Atingiram já sucesso internacional, são dentro do género das maiores bandas da nossa história, e no São Jorge confirmaram bem toda essa energia e qualidade. Puro metal, com headbanging da banda e dos presentes, com aquele tão usado símbolo feito pelas mãos no ar, num concerto curto mas energético. Fernando Ribeiro tem carisma, e fala com uma sabedoria inegável, quer se goste quer não. Quando falou da forma como esta noite se barreiras, com tantos géneros representados numa única noite, era a melhor forma de homenagear António Sérgio, foi impossível não concordar. Terminaram com Alma Mater, dedicada ao guru da rádio que infelizmente nos deixou, e no final fica-se com vontade de ouvir mais. Quer se goste quer não, como eles por cá não há mais ninguém.
De seguida veio a última banda, o grande nome da noite e de todo o rock do passado, presente e futuro da música nacional, e a noite foi deles. Os Xutos & Pontapés, que estiveram em palco esta noite não foram os Xutos domados e comerciais que hoje em dia enchem estádios; foram os Xutos dos anos 80, com alma e garra, que António Sérgio descobriu. Pegaram em 78/82, espantoso (não há outra palavra) primeiro disco da banda, e interpretaram alguns dos seus maiores temas (que, simplesmente, hoje em dia já não tocam), com outros grandes clássicos dessa época de irreverência e testosterona.
Nada de casinhas, nada de contentores, nada de corações que se partem. Os Xutos que ali estiveram foram os de há décadas atrás; e os Xutos de há decadas atrás foram, simplesmente, os maiores. Começaram com Som da Frente e Esquadrão, grandes canções que foram um verdadeiro luxo de ouvir. Estilo energético, letras audazes e atrevidas, rock em todo o seu esplendor. 1º de Agosto não tardou a vir, e foi simplesmente um momento único. E quando pouco depois pegaram no seu primeiro álbum, foi como se subitamente os Xutos do passado tivessem regressado. O que dizer de canções como Viuvinha ou Dantes? Ou a grandiosa Mãe, provavelmente das melhores canções alguma vez feita em toda a nossa música? Ou a épica e arrebatadora Avé Maria, que ainda (muito) ocasionalmente tocam em concertos? Foi um concerto que certamente ficará na memória dos que ali estiveram, dos que tiveram o luxo e a sorte de ver a banda a tocar ao vivo mais uma vez os seus melhores temas que, infelizmente, hoje em dia estão renegados, postos de lado perante êxitos como Contentoresou Ai Se Ele Cai. Foi provavelmente a primeira e última vez que muitos ouviram aquelas canções ao vivo, e foi nada abaixo de memorável.
Por uma noite, os Xutos & Pontapés do passado regressaram. E provaram porque é que foram dos melhores de sempre. Sémen, claro, foi a canção que pôs um ponto final na noite, e não o poderia ter feito de melhor forma. Quando sairam do palco, ficou-se com a certeza de ter estado presente num evento único, num regresso a um passado glorioso de uma banda que já foi gloriosa. A noite foi deles, tal como já foi todo o nosso rock.
Seis concertos, todos eles bons ainda que curtos, um deles verdadeiramente único e memorável. António Sérgio pode já nos ter deixado, mas o seu legado está mais que vivo.
O que se viu em palco foi do melhor que se faz (ou do que se fez) em música portuguesa, e um sinal do impacto que o radialista deixou. Seis boas bandas, seis bons concertos que, sem ele, provavelmente não teriam existido.
O homem deixou-nos, mas a sua obra continua. Se assim não fosse, sabe-se lá o que seria de nós e da música que fazemos.
Reportagem The Legendary Tigerman - Lisboa
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Lendário, sem dúvida
Deus nos valha Paulo Furtado. Deus nos valham os Wraygunn, Deus nos valha Legendary Tigerman, Deus nos valham todas aquelas colaborações em que se meteu, todas as bandas-sonoras que já fez (fabuloso, o cine-concerto que deu com Rita Redshoes no MOTELx há dois ou três anos) e tudo o que da sua carreira saiu. Deus nos valha este músico que influenciou toda uma nova geração de música Portuguesa deixando-se influenciar pela geração que lhe precedeu e até pela que viveu. O concerto que se viu no Coliseu foi o reflexo perfeito da impressionante carreira de Paulo Furtado: grandioso e inesquecível. Puxou de todos os cordelinhos, foi a toda a sua carreira a solo ou em grupo e pôs em palco todo o seu percurso musical num espectáculo cuidado e pensado, que foi basicamente mais de duas horas de uma sucessão constante de grandes momentos.
Uma lista de excelentes convidados, alguma grandes surpresas e o grande músico com as grandes canções do costume. Num óptimo e longo alinhamento, Tigerman percorreu todos os seus álbuns a solo (dando, claro, destaque a Femina), na pose e estilo já conhecidos de um público fiel que esgotou o Coliseu de Lisboa. Sempre informal, sempre espontâneo, sempre a incentivar à festa (pediu ao público para se pôr de pé e ele acedeu, brincando com as queixas no livro de reclamações que tal pedido gerou na noite anterior, no Coliseu do Porto) e com um palco cuidado onde as projecções de vídeo tão adoradas pelo músico foram uma constante, Paulo Furtado deu um concerto memorável, naquela que custa a chamar de noite de consagração apenas porque, com tanto talento e uma carreira que não é curta, uma noite que merecesse tal designação já devia ter chegado antes. Quem já antes o tinha visto ao vivo já sabia, afinal de contas, o que esperar no Coliseu: um grande concerto.
Antes do espectáculo propriamente dito, há que mencionar a primeira parte de Rita Braga. Voz cativante ainda que imperfeita, que canta versões de bom gosto de tais clássicos como Under the Moon ou Dream a Little Dream of Me. Competente, sem dúvida e acima de tudo com fortes pontos de contacto com o músico que se seguiria. Percebe-se o porquê da escolha de Paulo Furtado e foi sem dúvida uma primeira parte que criou bem o tom para o que viria a seguir.
E depois duma agradável primeira parte, lá entrou Tigerman em cena, perante uma chuva de aplausos. Guitarra em riste, ecrã gigante por trás numa cortina que iria subindo e descendo ao longo da noite, onde rapidamente surge Asia Argento projectada. My Stomach is the Most Violent of all of Italy abre na perfeição as hostes, com a voz de Argento a ecoar em conjunto com a de Tigerman numa bela canção saída de Femina. Ao final da canção, que proporcionou um belo início, sobe a cortina e surge a bateria já tão conhecida dos fiéis e que em todos coloca um sorriso. Tigerman é one-man-show, é homem a tocar guitarra e bateria ao mesmo tempo, de óculos escuros e voz sussurrante, com aquele som directo e simultaneamente melódico, é ver em palco um homem como não há igual. O Homem Tigre senta-se e surge o primeiro clássico da noite: Walkin’ Downtown.
Grande momento, numa canção que ganha sempre com uma interpretação ao vivo exemplar, que joga tão bem com aquela hesitação no refrão da música. Não tardou muito a chegar Naked Blues, outro clássico, que mais uma vez nos relembrou das belas canções e discos que Furtado já nos dá há uns bons anos. Das grandes canções da sua carreira, faltou apenas Route 66. De resto, estiveram lá todas, interpretadas com a alma de sempre (espectacular, o momento em que dedicou Radio & TV Blues à “merda de rádio e televisão que temos”).
O concerto foi alternando entre momentos a solo e claro, momentos com os convidados, ao longo de mais de duas horas sempre bem ritmados (impressionante, tendo em conta o número de convidados). A primeira a entrar foi logo Lisa Kekaula, que tem talvez a voz mais impressionante de todas as convidadas do disco, sempre com energia e estilo… e aquela voz, meu Deus, aquela voz. Não tardou a entrar Cláudia Efe, com um vestido esvoaçante e (claro) sensual, que com Honey, You’re Too Much proporcionou um dos melhores momentos da noite. Rita Redshoes entraria em palco para mostrar ser a que tem a maior cumplicidade com o músico; aqueles olhares durante Sister Ray, por exemplo, deram uma tensão enorme à interpretação de uma excelente música. E que surpresa que foi quando mais tarde surgiu à bateria, para ajudar Tigerman e Kekaula a tocar Jockey Full of Bourbon, grande canção de Tom Waits que aqui ganhou nova alma com esta baterista, a guitarra de Furtado e a voz de Kekaula.
A participação de Jim Diamond (guitarra) e Mick Collins (bateria) proporcionaram talvez o momento mais rock da noite, com o Homem Tigre a ir buscar Girlse Big Black Rusty Pussyboard (um dos seus melhores temas) ao baú. Duas pérolas para os devotos, que foram banhadas a ouro com aquele belo solo de guitarra de Diamond e as batidas que tão bem assentaram de Collins. Big Black Rusty Pussyboard, em particular, é simplesmente uma canção obrigatória em qualquer concerto de Legendary Tigerman, verdadeiramente espectacular.
E o que dizer da participação dos Dead Combo, que teve o ponto alto em Lusitânia Playboys, música do duo que Tigerman fez questão de levar ao Coliseu? Instrumentalmente perfeito, com a guitarra de Tó Trips e a guitarra de Furtado em diálogo absoluto. Foi um daqueles momentos em que se pensou “Que sorte tenho eu em estar a ver isto”, dada a oportunidade única que é a de ver estes nomes pesados a actuar em conjunto. Já se esperava que fosse tão bom, claro: os Dead Combo são dos projectos musicais de maior valor e qualidade dentro das nossas fronteiras (que concerto arrebatador, o que deram com a orquestra no São Jorge há uns meses) e Tigerman é Tigerman. Foi uma oportunidade única que valeria por si só a noite, a de os podermos ver a tocar juntos. Oportunidade que não desperdiçaram para criar um momento que nos ficará na memória. “O melhor duo de Lisboa”, bem disse Furtado. “E os mais bem-vestidos!”, acrescentou.
Antes do encore (que foi a grande surpresa da noite, mas já lá vamos), foi a vez de JD Nelassassin e DJ Ride entrarem em palco, juntamente com João Doce, dos Wraygunn. Furtado brincou dizendo que chamaria àquele grupo de Quatro e que gravariam quatro canções em quatro dias e que dariam quatro concertos, acabando de seguida. Com aquele resultado, até se espera que não seja a brincar. Quem diria que resultaria tão bem, aquela fusão dos DJs com aquela guitarra ríspida do protagonista da noite? Foi uma verdadeira frente sonora, energia pura e rítmica, que acabou em alta o set principal com Say Hey Hey.
E foi depois, no regresso ao palco, que viria a grande surpresa do espectáculo. O encore começou com o regresso de Argento ao ecrã gigante, para interpretar com Tigerman a lindíssima Life Ain’t Enough For You, single de apresentação de Femina que na altura tanto passou (merecidamente) pelas rádios. E no final deste bonito momento, Furtado apresentou, um a um, os membros dos Wraygunn, que foram entrando em palco para a grande surpresa da noite. Já nos esquecíamos da falta que fazem, da onda de energia que são, das saudades que tínhamos de os ver. Tocam a inevitável She’s a Go Go Dancerque incendiou, como esperado, o Coliseu e de seguida uma canção nova que estará no novo álbum. Mostraram estar na boa forma de sempre e a música nova que se ouviu deixou no ar a promessa de um belo novo álbum. Que voltem o mais depressa possível.
Tigerman e Wraygunn saem e só Tigerman volta a entrar, para um segundo encore com a música que pôe um ponto final na noite da mesma forma que o faz em Femina: com perfeição absoluta. True Love Will Find You In The Endde Daniel Johnston é, diga-se, muito provavelmente das mais bonitas canções alguma vez escritas e a voz de Furtado dá-lhe um sussurro com alma inesperado para quem antes não a tinha ouvido ao vivo. Canta-a na perfeição, após mais de duas horas de um concerto grandioso, com a cortina a levantar-se e as luzes lentamente a serem acesas em todo o Coliseu. Momento indescritivelmente poético e memorável, que acabou por ser o reflexo do próprio Tigerman que é, diga-se, duro por fora mas mole por dentro.
“Muito obrigado por me terem dado uma das melhores noites da minha vida”, diz perante uma ovação feita por um público que se menteve sempre de pé, chamando de seguida todos os convidados para a ele se juntarem numa vénia final. Com um Coliseu esgotado a seus pés, tornou-se óbvia a marca que Furtado já deixou (felizmente!) na nossa música. Sai do palco com um sorriso no rosto e o público abandona o Coliseu da mesma forma.
Grande concerto que foi o puro reflexo de um grande músico. Por mais de duas horas estivemos dentro do universo de Legendary Tigerman; ouvimos a sua música e a música que o influenciou (desde Tom Waits àquela excelente versão de These Boots Are Made For Walking, de Nancy Sinatra), tocada por si e pelos amigos de que tanto gosta e tanto admira. Noite de consagração? Não, noite de mera confirmação. Com os discos que já editou, com os concertos que já deu, o valor de Paulo Furtado já era inegável e a noite vivida foi apenas todo o seu talento em todo o seu esplendor.
O Coliseu esgotado foi um mero sinal de que, felizmente, ainda há muita gente a reconhecer e a gostar de um grande músico quando o ouve. Legendary Tigerman foi ao Coliseu, deu um concerto magnífico, ambicioso como só ele pode dar (tão bem pensado e executado como só Furtado se lembraria de fazer) e arrebatou enquanto deu a constatar um mero facto: a palavra Lendário não está ali só pelo estilo. É já uma mera característica. Dele e desta noite com que nos brindou.
Reportagem Joanna Newsom - Porto
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Joanna Caroline Newsom – cantora, harpista, pianista e compositora da folk norte-americana – volta em 2011 a Portugal, depois de actuações anteriores no Lux, Aula Magna (Lisboa) e Theatro Circo (Braga), em 2007. Quatro anos depois, volta ao nosso país para uma mini-digressão de três concertos: na Casa da Música (Porto), no Teatro Aveirense (Aveiro) e no Centro Cultural de Belém (Lisboa), a 24, 25 e 26 de Janeiro, respectivamente. Desta feita, traz consigo o terceiro e novo disco de originais “Have One on Me”, editado em Fevereiro do ano passado, pela Drag City.
Para além do mais recente trabalho de estúdio e excelentes surpresas musicais, Joanna trouxe consigo, para as honras de abertura do espectáculo na Casa da Música, Alasdair Roberts, músico escocês que acompanha a decorrente digressão da artista norte-americana. Tendo passado anteriormente por Portugal com Newsom na digressão de 2007, Alasdair Roberts passara já também pelo palco secundário da edição de 2005 do Festival Paredes de Coura.
Sozinho no palco com a sua guitarra acústica, sob a iluminação de um rasgo de luz, Alasdair Roberts soube criar na sala Suggia um ambiente acolhedor, enquadrando-se com o que viria a seguir. Apresentando ao público portuense alguns temas novos, o cantor embalou todos os presentes com as suas canções que sabem ter em si, simultâneamente, a tradição e a contemporaneidade, abrindo caminho à tão esperada música mágica de Joanna Newsom.
Joanna Newsom, de vestido galáctico-vermelho, surge em palco e pisa-o como se de uma princesa se tratasse. Mostrando a todos os presentes um sorriso rasgado e uma simpatia transbordante, inicia a actuação com The Book of Right-On, do álbum “The Milk-Eyed Mender” (2004). Sem demoras, apresenta os músicos que a acompanham e que, entretanto, surgiram em palco. Pela frente, puderam ouvir-se Have One on Me, Easy , Good Intentions Paving Company e Soft as Chalk, do seu mais recente trabalho “Have One on Me” (2010); passando ainda por “Ys” (2006) com: Cosmia; e novamente por “The Milk-Eyed Mender” (2004), terminando o espectáculo com Peach, Plum, Pear. Aplaudidos frevorosamente pela audiência, que entretanto se levantou, pedindo um encore, Joanna e companhia voltariam ao palco para a despedida, com On a Good Day e Baby Birch.
Entre a harpa e o piano, Joanna, dona de uma deliciosa e inconfundível voz, encantou aqueles que reservaram a sua noite para a ouvir. Elogiando Portugal, agradecendo aos presentes pela gastronomia portuguesa (“thank you for your food!”) e a magnífica Sala Suggia da Casa da Música, desfez-se em “mui obrigadas” aos presentes. Desenganem-se aqueles que esperavam ouvir uma Joanna num registo mais agudo. Esta menina soube demonstrar o poder da sua voz num registo diferente daquele que se pode ouvir nos álbuns de estúdio, porém, ainda assim, foi capaz de surpreender os espectadores que, deliciados e atentos, se deixaram envolver na fantasia das suas músicas.
Para quem teve o privilégio de estar presente, assistiu-se a uma óptima surpresa, onde sonho e imaginação foram bem-vindos à banda-sonora criada na Sala Suggia. Para aqueles que não tiveram tal privilégio, resta-lhes, se quiserem aceitar a sugestão, assistir a um dos outros espectáculos agendados para Portugal, no Teatro Aveirense e no CCB.