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Reportagem Mono - MusicBox
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Ontem, dia 9 de Março, a sala de espectáculos lisboeta conhecida por Musicbox, serviu de palco a uma noite musical surreal e, certamente, inesquecível. Os autores? São os japoneses Mono, dedicados à transmissão de emoções na ausência de palavras. Apesar de rejeitarem a etiqueta de heróis do post-rock, considerando-se apenas músicos clássicos contemporâneos, porventura serão uns dos seus maiores nomes, aliados à onda de Mogwai e Godspeed You! Black Emperor. É a segunda vez que os Mono pisam território nacional, após a visita algo despercebida em 2004, no Porto, este ano com a pretensão de nos apresentar o seu quinto esforço colectivo, “Hymn to the Immortal Wind”, editado em 2009.
Um pouco depois das dez, os Löbo encarregaram-se, prontamente, de atacar os tímpanos da plateia, mal pisaram o palco, mas dificilmente se poderá dizer que o fizeram de forma pouco eficaz. De pose e carisma imperturbáveis, os setubalenses espalharam o seu post/doom metal instrumental pela sala lotada, em “palhetadas” poderosas que faziam vibrar o interior de cada um. Sem falar uma palavra, a banda conseguiu abanar as cabeças dos espectadores ao apresentar o seu EP de estreia, “Alma”.
Os Mono entram de negro e sem se apresentarem, no silêncio do Musicbox. Assim, a distorção dá lugar ao primeiro tema da noite, “Ashes in the Snow”, do mais recente disco, que envolve prontamente os espectadores no que parece ser a banda sonora de um filme de guerra nórdico.
Os temas do álbum “Hymn to the Immortal Wind”, que contam com a presença de uma orquestra de 28 membros, são reduzidos, ao vivo, aos quatro membros originais. Em “Burial at Sea”, “Pure as Snow” e “Follow the Map” substituíram-se os violinos pelos efeitos ainda mais dignificados das guitarras nipónicas, ora dedilhadas com cuidadosa atenção, ora manuseadas freneticamente no calor do auge do post-rock. Segue-se um dos êxitos da noite, um “Yearning” cheio, épico e tocante que, certamente, deixou os lisboetas em ânsias por ouvir mais.
Ora, os japoneses contam com mais de 10 anos de carreira e isso reflecte-se bastante na sua postura em palco: equilibram o perfeccionismo e a eficácia com o entusiasmo e o expansividade de forma mais do que satisfatória. Se algum defeito lhes podemos apontar é o da pouca interacção com o público, que, conjuntamente com outros factores, faz com que, nos momentos iniciais, os temas pouco tenham de diferente das versões gravadas em estúdio. Contudo, é na apoteose dos crescendos ao vivo que os japoneses se deixam imergir nas camadas sonoras e, assim, transmitem aos ouvintes atentos as belas paisagens, repletas de emoções, de um instrumental elaborado. O guitarrista líder da banda, Takaakira Goto, é tão eficaz a pintar a composição de tristeza, alegria e nostalgia que não é raro ver alguém a chorar num dos seus concertos – muitos dos lisboetas fechavam os olhos e moviam o corpo consoante a batida, ao longo do espectáculo.
Reportagem The Cranberries
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No dia 10 de Março, o Campo Pequeno encheu para receber os tão esperados The Cranberries, reunidos de novo, sete anos após terem temporariamente deixado o cenário musical. Depois da abertura, a cargo dos Outside Royalty, que aqueceram o público – na sua maioria já bem adulto – com a sua música indie-rock, a banda irlandesa entrou em palco.
A simpática Dolores O'Riordan desde cedo presenteou os fãs com a sua boa-disposição e energia em palco. Na plateia, viam-se bandeiras irlandesas e cachecóis de Portugal. Analyse – a eleita para abrir o espectáculo – foi entoada na perfeição pelos fãs juntamente com a voz inconfundível da vocalista, sem dúvida o elemento essencial na origem do som característico da banda.
Entre elogios ao bom tempo e aos belos jardins por onde passeou durante o dia, Dolores deu ares da sua graça irlandesa e espalhou a boa disposição pelo recinto. Animal Instincts deleitou o público, antecedendo temas como Linger – que levou a plateia a erguer câmaras e telemóveis para registar aquele que foi um dos muitos momentos altos e emocionantes da noite – ou When You’re Gone.
Ao contrário da maioria, a banda irlandesa optou por um início mais calmo, onde ainda se ouviram temas como How e Dreaming My Dreams, deixando as músicas mais energéticas para o meio do concerto. Wanted começou a aquecer os fãs e Liar, que se lhe seguiu, teve direito a uma pequena dança irlandesa por parte da vocalista. Desperate Andy manteve a energia em alta antes da animada I Can’t Be With You, que antecedeu outro dos momentos altos, proporcionado por Ode To My Family.
O público não se cansou de dançar, saltar, cantar e aplaudir, ganhando assim inúmeros elogios da cantora, que afirmou ser esta a melhor audiência da Europa, que sabe como “apreciar a vida”. Para além disso, teve ainda direito a temas como Ordinary Day – esta dedicada à segunda filha de Dolores O'Riordan – e The Journey, originais do trabalho a solo da cantora.
Free To Decide antecedeu Salvation, que estimulou o já delirante público de braços no ar. Após Ridiculous Thoughts, foi a vez de Zombie elevar as vozes no recinto e espalhar a loucura pelo espaço, antes do encore. Embora tenha durado pouco, foi neste período de tempo que, para quem ainda tivesse dúvidas, a plateia mostrou que a idade é um estado de espírito: as palmas, os saltos, as entoações, os assobios e os gritos praticamente fizeram sentir-se no Saldanha. Shattered abriu a parte final do concerto, antecedendo The Journey; ainda se ouviu Promises e Dreams encerrou a noite. A banda abandonou o palco perante uma ovação por parte dos fãs, que mostraram ainda mais entusiasmo quando Dolores O'Riordan exprimiu o seu desejo de voltar em breve a palcos nacionais.
Reportagem MGMT - Lisboa
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Dia 18 de Dezembro, o Campo Pequeno recebeu os MGMT no seu regresso a Portugal, após dois longos anos e meio. A plateia esgotou e as bancadas estavam bem compostas, enquanto se aguardava a entrada da banda em palco.
Antes deles, os Smith Westerns abriram o palco. Uma banda jovem de Chicago, simpáticos e que canalizam a energia para as músicas que interpretam. Apenas meia hora chegou para mostrar que são uma banda merecedora de atenção.
O relógio marcava uns minutos depois das 22h quando as luzes se apagaram e a exaltação se instalou. Apresentações? Podem ser dispensadas, mas para quem não viu a banda a apresentar o seu álbum “Oracular Spectacular” - eleito pela NME como o melhor de 2008 - no Optimus Alive! de há dois anos (ninguém vos culpa, The National estava a tocar no palco principal), este era um concerto a não perder.
A não perder pelos fãs, por aqueles que os entendem, por todos aqueles que compreendem o segundo álbum, por todos os que sabem que a “Kids” não é tudo na vida dos MGMT e por aqueles que sabem que a “Siberian Breaks” (durante a qual muitos adormeceram, para além de terem saído do concerto a achar que durante esse tempo se tocaram quatro músicas diferentes) é muito mais um espelho do que os MGMT querem alcançar. A “Kids” é genial, sim, mas já lá vamos.
Depois de um cumprimento por parte de Andrew, “The Youth” fez as honras. Andrew e Ben, a juventude em pessoa, fazem música para graúdos. E não falo de idades. Ainda que os seus fãs sejam maioritariamente jovens, o público perfeito para temas como “Time to Pretend” e “Electric Feel”, foram temas como “The Handshake” ou mesmo “The Youth” (ambos ainda do primeiro álbum) que provaram no palco secundário do Optimus Alive! que têm muitos mais que se lhes diga do que uma mera combinação de notas que fica presa no ouvido. “Congratulations” assumiu por completo o rumo que já havia sido criado em “Oracular Spectacular” mas feito de uma maneira mais directa. E a verdade é que as actuações de MGMT ao vivo complementam todo o trabalho da banda ao criar cada álbum. Falo de tudo, desde luzes a vídeos, às interpretações em si e à maneira como as mesmas são feitas.
E assim foi mais uma vez. “The Youth” foi fantástica e no fim do tema, já Andrew tinha nas mãos uma bandeira portuguesa. “Time to Pretend” seguiu logo a seguir. Escusado é dizer que o público delirou, afinal de contas era um dos momentos mais esperados por todos. “Song for Dan Treacy” (sobre um cantor inglês dos anos 90 que serviu pena na prisão) manteve todos a dançar, antes de outro tema antigo: “Weekend Wars”. Mesmo sendo do álbum anterior, não arrebatou o entusiasmo que merecia, ainda para mais ao vivo, onde ganha – ainda mais – vida!
Andrew, tímido (ou absorvido?) tocou ferrinhos e pegou numa guitarra acústica para interpretar “I Found a Whistle”. A música fala disso mesmo: de um apito. Um apito que a certo ponto rima com pistola, numa letra que complementa a composição e vice-versa. A mistura dos mais diversos sons e instrumentos sempre teve um papel importante no trabalho dos MGMT. No novo álbum, tal aspecto foi ainda mais explorado e “I Found a Whistle”, por mais subtil que possa ser, é uma prova disso mesmo. No clímax da música, o enorme ecrã atrás da banda ganhou vida e vídeos com cores e jogos de ilusões e formas inundaram o recinto.
Propícia a mais delírios, “Flash Delirium” entra em cena. Sendo o tema que é – fantástico, digo –, seria de esperar que o público se deixasse levar mais. Mas para lá das primeiras filas, o entusiasmo não transparecia tanto. Continuando o sistema de alternar entre o álbum novo e o seu antecessor, começaram-se a ouvir os primeiros acordes de “Of Moons, Birds and Monsters”. E a quebrar o ciclo, veio então “Electric Feel”. O público ficou, sem dúvida, eléctrico (perdoem o trocadilho).
De máscara de Rudolfo, a Rena, o teclista desejou a todos um Natal Feliz. Banda de poucas palavras, todos os seus membros sabem que o espectáculo resulta muito melhor da maneira que é executado. Directo ao que interessa: a música. Que continuou com “It’s Working”, tema de abertura de “Congratulations”, mesmo antes de uma surpresa: “Destrokk”, um dos primeiros temas que os MGMT criaram. Data de 2005, tirado do EP “Time to Pretend”. As mãos no ar contavam-se pelos dedos, bem como as pessoas que conheciam o tema. Contudo, pelo final da interpretação, o tema já reunia um número de fãs que aumentara exponencialmente em 3 minutos.
No álbum, “Siberian Breaks” tem 12 minutos. Tocada ao vivo ronda o mesmo tempo. Um tema complexo, uma autêntica viagem por entre sons, instrumentos e combinações. Ao ouvir “Congratulations”, torna-se difícil distinguir o princípio e fim dos vários temas. E a beleza do álbum está nisso mesmo: no sucesso que foi ao ser criado como um todo, uma evolução, uma jornada. Assim, torna-se mais difícil ter-se temas tão independentes como “Time to Pretend”. Por isso não foi de admirar que metade do Campo Pequeno estivesse estática ao fim de 5 minutos, depois de terem pensado que a música já acabara pelo menos duas vezes. Mas não se preocupem, caros espectadores, pois eis que chega o momento alto da noite, pelo qual todos esperavam.
“Kids” não consegue entrar subtilmente numa actuação, e nem é isso que se pretende. A música é fenomenal de tão simples que é. Ao vivo ou em casa, é impossível ficar indiferente, digam o que disseram. Não tardará muito a que se torne num autêntico hino, ao lado de “Seven Nation Army” dos White Stripes ou “We Are the Champions” dos Queen. O desagrado da banda em relação ao público ir a concertos na mera esperança de a ver ao vivo, muito mais que às outras (sobretudo depois da recepção do novo álbum, que dividiu muitas opiniões) é no entanto evidente: já abandonaram um recinto em Londres sem ter tocado o tema, devido à falta de entusiasmo ou sequer interesse demonstrado pelos “fãs”.
Andrew e Ben a postos, tal como haviam feito no Optimus Alive!, cantavam lado a lado. Andrew limpou inclusive suor da testa do teclista que agora fascinava de guitarra eléctrica em mãos. O recinto saltava como se não houvesse amanhã, como se todos ali fossem crianças de novo, por 5 minutos. E isso não sabe tão bem?
Mas o que soube ainda melhor foi “Brian Eno” ter-se-lhe seguido. A homenagem da banda ao artista – que outra palavra usar para reunir tudo o que Eno é? – não só evidencia as suas admirações como desejos íntimos: «We're always one step behind him, he's Brian Eno. Brian Eno!». Antes dos últimos acordes, Andrew agradeceu a todos por terem vindo e tornado o espectáculo óptimo. A música terminou e a banda saiu.
Poucos minutos depois, estavam de volta. Andrew voltou a agradecer e elogiar o público por cantar tão bem. Isto porque durante o encore, só se ouviu… adivinharam: “Kids”! Com mais duas músicas para encher o ouvido, “The Handshake” foi a primeira. Palavras para quê? Os MGMT sabem o que fazem quando entram num estúdio, quando pisam um palco, quando tocam os instrumentos e quanto nos deliciam durante 10 minutos seguidos com instrumentais de mestre.
Para o fim, haveria melhor opção que “Congratulations”? Claro que não. A palavra era entoada pelos fãs de forma intensa, num agradecimento por mais um concerto assombroso. De sorriso nos lábios, a banda abandonou o palco então de vez, depois da dose de alucinação (no bom sentido) que havia proporcionado. Não é impossível de todo que alguém tenha passado na rua e tenha visto o Campo Pequeno a planar no ar sob um céu pintado com as cores do arco-íris, onde golfinhos com asas saltavam por entre nuvens que choviam gotas brilhantes multicolores.
Em 2008, os MGMT fizeram o palco secundário do Optimus Alive! crescer a olhos vistos perante um recinto mais que lotado.
Em 2010, levaram o Campo Pequeno numa viagem que poucos saberão apreciar como ela merece, mas decerto nunca irão esquecer. A quem conseguiu perceber o que estavam a presenciar, resta-nos esperar que a próxima vinda não demore tanto tempo outra vez.
Reportagem AS61 - Um tributo a António Sérgio - Lisboa
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Sem fronteiras, sempre com qualidade
António Sérgio é um daqueles nomes que viverá para sempre no legado que deixou para trás. Nas bandas que descobriu (Xutos & Pontapés, entre outros), na geração que marcou, nos amantes de música que criou. Símbolo de uma era em que se gravavam em cassete os programas de rádio, em que se juntava dinheiro para comprar aquele disco, em que só fazia música quem realmente tinha alma para a fazer e não quem tinha um computador e um programa de edição. Símbolo de um passado que já foi, mas que muito influenciou o presente.
A noite de homenagem que se viveu no São Jorge, num serão de concertos de todos os géneros e gerações, foi a melhor forma possível de o homenagear. Colocar aquelas bandas, umas jovens outras veteranas, umas dum género outras de outro, no mesmo palco foi a homenagem ideal para um homem que sempre lutou pela quebra de fronteiras entre géneros, que sempre lutou pelo direito à diferença. O que se viu não foi, afinal de contas, apenas uma noite de belos concertos (uns melhores que outros, claro): foi também o ideal de vida e a alma de um homem que deixou para sempre uma forte e feliz marca na vida musical do nosso país.
Foram, portanto, vários concertos, todos eles diferentes, todos eles bons à sua maneira. Seis bandas: Dead Combo, Os Golpes, Linda Martini, Peste e Sida, Moonspell e Xutos & Pontapés, com esta mesma ordem de entrada. Cerca de quatro horas de boa música, com o melhor do que se faz (ou já se fez) por cá no mesmo palco, num São Jorge previsivelmente esgotado.
Os primeiros foram, então os Dead Combo, que em apenas meia-hora (o tempo dado a cada banda) mostraram o porquê de serem hoje em dia das bandas mais interessantes por cá. Numa selecção óptima, tocaram um alinhamento consistente e que representa todo o seu estilo. Começaram com uma cover fenomenal, feita de propósito para aquela noite, de I Feel Love, de Donna Summer, e de seguida continuaram passando por tais temas como Pacheco e a espectacular Temptation, de Tom Waits. No início, Tó Trips leu um lindíssimo texto da banda escrito de homenagem a António Sérgio, nome que seria evocado regularmente ao longo da noite. Deram meia-hora de excelente música, que certamente terá criado a curiosidade em quem antes não os conhecia, e saíram do palco com o dever mais que cumprido. Fenomenais, como sempre.
De seguida, vieram Os Golpes. Concerto agradável, mas longe de fazer jus ao que a banda é capaz. Quem já antes os tinha visto sabe bem que são capazes de muito, muito melhor, e o alinhamento em si não foi do melhor (faltaram canções do grande Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco). O novo disco parece bom, sem dúvida, e canções como A Brasileira ou Vá Lá Senhora resultam bem, mas estão bem longe daquilo que a banda é capaz. Foi bom, mas poderia ter sido muito melhor. Mesmo com tão pouco tempo…
Os Linda Martini foram os que entraram a seguir, e o que fizeram foi um pequeno milagre. Meia-hora de guitarras ao poder, com grande parte do público de pé após o apelo da banda para que abandonassem as cadeiras, com um rock como só eles conseguem fazer. Num alinhamento que se ficou pelo último álbum, Casa Ocupada, a banda provou o quão bem resultam ao vivo as novas canções (algo que não deverá ter surpreendido quem os viu num dos últimos concertos que deram cá na capital). Conseguiram em pouco tempo criar uma onda de energia que varreu o São Jorge, com canções como Juventude Sónica (épica) ou Nós os Outros a fazer tremer (literalmente) as cadeiras da sala. Terminaram com uma grande cover de Sémen, a canção intemporal dos Xutos & Pontapés, que mais tarde voltaria a ser ouvida, com um São Jorge de pé em estado transcendente. Grandes, como sempre.
Os Peste e Sida entraram a seguir, naquele que foi nada mais nada menos que um puro regresso ao passado. Num alinhamento maioritariamente de clássicos, todos os quarentões da sala e não só levantaram-se para saudar a banda que marcou uma geração de ouvintes. Punk-rock puro, como raramente se fez por cá, tocado por um grupo que ainda está em forma. Canções como Chuta Chavalo e Vamos ao Trabalho (esta já dos anos noventa) são verdadeiros hinos, e quando o concerto terminou em pura apoteose com a grande Sol da Caparica (claro!), o impacto que a banda teve e o legado que tem tornou-se inegável. Belo concerto, tanto para os mais velhos como para os mais novos.
Os Moonspell, banda que se seguiu, já não têm nada a provar a ninguém. Atingiram já sucesso internacional, são dentro do género das maiores bandas da nossa história, e no São Jorge confirmaram bem toda essa energia e qualidade. Puro metal, com headbanging da banda e dos presentes, com aquele tão usado símbolo feito pelas mãos no ar, num concerto curto mas energético. Fernando Ribeiro tem carisma, e fala com uma sabedoria inegável, quer se goste quer não. Quando falou da forma como esta noite se barreiras, com tantos géneros representados numa única noite, era a melhor forma de homenagear António Sérgio, foi impossível não concordar. Terminaram com Alma Mater, dedicada ao guru da rádio que infelizmente nos deixou, e no final fica-se com vontade de ouvir mais. Quer se goste quer não, como eles por cá não há mais ninguém.
De seguida veio a última banda, o grande nome da noite e de todo o rock do passado, presente e futuro da música nacional, e a noite foi deles. Os Xutos & Pontapés, que estiveram em palco esta noite não foram os Xutos domados e comerciais que hoje em dia enchem estádios; foram os Xutos dos anos 80, com alma e garra, que António Sérgio descobriu. Pegaram em 78/82, espantoso (não há outra palavra) primeiro disco da banda, e interpretaram alguns dos seus maiores temas (que, simplesmente, hoje em dia já não tocam), com outros grandes clássicos dessa época de irreverência e testosterona.
Nada de casinhas, nada de contentores, nada de corações que se partem. Os Xutos que ali estiveram foram os de há décadas atrás; e os Xutos de há decadas atrás foram, simplesmente, os maiores. Começaram com Som da Frente e Esquadrão, grandes canções que foram um verdadeiro luxo de ouvir. Estilo energético, letras audazes e atrevidas, rock em todo o seu esplendor. 1º de Agosto não tardou a vir, e foi simplesmente um momento único. E quando pouco depois pegaram no seu primeiro álbum, foi como se subitamente os Xutos do passado tivessem regressado. O que dizer de canções como Viuvinha ou Dantes? Ou a grandiosa Mãe, provavelmente das melhores canções alguma vez feita em toda a nossa música? Ou a épica e arrebatadora Avé Maria, que ainda (muito) ocasionalmente tocam em concertos? Foi um concerto que certamente ficará na memória dos que ali estiveram, dos que tiveram o luxo e a sorte de ver a banda a tocar ao vivo mais uma vez os seus melhores temas que, infelizmente, hoje em dia estão renegados, postos de lado perante êxitos como Contentoresou Ai Se Ele Cai. Foi provavelmente a primeira e última vez que muitos ouviram aquelas canções ao vivo, e foi nada abaixo de memorável.
Por uma noite, os Xutos & Pontapés do passado regressaram. E provaram porque é que foram dos melhores de sempre. Sémen, claro, foi a canção que pôs um ponto final na noite, e não o poderia ter feito de melhor forma. Quando sairam do palco, ficou-se com a certeza de ter estado presente num evento único, num regresso a um passado glorioso de uma banda que já foi gloriosa. A noite foi deles, tal como já foi todo o nosso rock.
Seis concertos, todos eles bons ainda que curtos, um deles verdadeiramente único e memorável. António Sérgio pode já nos ter deixado, mas o seu legado está mais que vivo.
O que se viu em palco foi do melhor que se faz (ou do que se fez) em música portuguesa, e um sinal do impacto que o radialista deixou. Seis boas bandas, seis bons concertos que, sem ele, provavelmente não teriam existido.
O homem deixou-nos, mas a sua obra continua. Se assim não fosse, sabe-se lá o que seria de nós e da música que fazemos.