Reportagem And So I Watch You From Afar no Porto
Técnica versus emoção sempre foi uma discussão bastante frequente entre melómanos, com muitos a acreditarem que paixão e criatividade são as qualidades mais valiosas que um músico pode ter.
Independentemente da posição que tomemos, há que reconhecer, no entanto, que há casos em que os dois coexistem harmoniosamente, que é o que acontece com os irlandeses And So I Watch You from Afar. O grupo de Belfast é conhecido pela sua destreza técnica, revelando-se exímio na maneira como constrói delicadas esculturas sonoras onde a imprevisibilidade rítmica do math rock se cruza com a doçura melódica do post-rock, mas no meio dessa impressionante mestria instrumental reside igualmente uma grande componente emocional. Basta olhar para a postura em palco para nos apercebermos que se entregam de corpo e alma à música, o que acaba por ser contagiante - que o diga o público português que faz sempre questão de os receber de braços abertos, num dos mais genuínos romances alguma vez testemunhados entre banda e audiência. Nesta nova passagem pelo nosso país - a quarta desde a estreia, há cinco anos, no Plano B - verificou-se novamente essa inspiradora troca de energia, com a banda a dar tudo o que tinha e a mostrar-se grata por ter tanta gente a assistir num domingo à noite; nós, claro, respondemos com entusiasmo já que pudemos rever novamente estes senhores que tão boas memórias nos deram ao longo dos anos. Tal como um serão passado com amigos, a regularidade das visitas dos And So I Watch You from Afar é irrelevante porque sabemos que vamos sair de lá contentes e com vontade de repetir a experiência, pelo que continuamos a voltar para matar saudades.
Num concerto que apresentou um setlist bastante equilibrado, o início com “Search: Party: Animal” foi claramente uma excelente escolha, não fosse esse tema uma belíssima e emotiva explosão sonora e um dos melhores já criados pelo dinâmico colectivo. Houve também espaço para apresentar a novidade “ The Endless Shimmering” através de composições como “ A Slow Unfolding of Wings” ou “ Terrors of Pleasure”, que resultaram bastante bem ao vivo e que possuíram neste registo mais energia do que as versões de estúdio.
Contudo, a interpretação de temas mais antigos acabou por ter mais impacto emocional, talvez por já termos convivido mais tempo com eles; nos momentos em que iam ao baú e recuperavam malhas como “ Set Guitars to Kill” ou a majestosa “ The Voiceless”, o público rejubilava, numa intensa celebração do legado de uma das mais criativas bandas da música alternativa na última década. Quando tudo acabou, sentíamo-nos plenamente satisfeitos, tal como tínhamos previsto.
Destaque ainda para o projecto Paisiel, formado pelo percussionista/baterista e escultor sonoro João Pais Filipe e o saxofonista alemão Julius Gabriel. Responsáveis pela primeira parte do evento, proporcionaram uma agradável sessão de um free jazz de cariz tribal, que obviamente nos remeteu para o ambiente típico de HHY&The Macumbas, aqui num formato mais “despido” e directo. Ainda que seja, calculamos, mais uma colaboração curiosa do que uma banda a sério, esta união revelou-se interessante q.b. para justificar a presença no cartaz.
- Organização:AMPLIFICASOM
- terça-feira, 02 janeiro 2018