Reportagem Devendra Banhart em Lisboa
Foi em fevereiro de 2020, no limiar da rebentação da pandemia da Covid19, que se deu a última passagem de Devendra Banhart por palcos portugueses. Talvez, por tudo o que aconteceu e que se viveu por esses tempos negrumes, a nossa noção de tempo e da sua passagem ficou com as voltas trocadas, dando a sensação que o reencontro com o cantautor metade americano/metade venezuelano há muito que não se proporcionava. E para celebrar o regresso, a sala de honra foi o Coliseu dos Recreios, espaço maior pisado por Devendra ao longo das suas passagens por Portugal. Inicialmente previsto para as nove e trinta, o arranque do concerto só se daria (quase) quarenta minutos depois. Durante esse intervalo de tempo, o Coliseu ia se enchendo aos poucos para compor uma sala a meio gás, com apenas a plateia e as bancadas mais à retaguarda do palco a ficarem totalmente preenchidas.
A baixa lotação da sala, porém, viria mesmo a ser um trunfo nesta noite de Devendra, ou não tivesse proporcionado um ambiente intimista e de maior proximidade do artista com o público. Logo no início, marcado por uma precoce “Für Hildegard von Bingen” e a que se juntaram “Sirens” e “Golden Girls”, começou-se a pautar esse tal clima de confidência e de familiaridade. Aliás, a junção da disposição dos instrumentos pelo palco, os tapetes espalhados pelo chão, a vistosa tela que caía do teto ou a escolha de um jogo de luzes minimalista, transpunha a imagem de um pequeno e humilde bar, cenário idílico para o folk tão característico de Banhart.
Perante um artista que Portugal não só viu crescer, mas como acolheu como sendo um dos ‘seus’, a comunhão do artista com o público fez-se num ápice, com as múltiplas tiradas do músico, num português arranhado, a demonstrarem não só o seu à vontade, mas também um sentimento de pertença consequente dessa convivência. Ora fosse pelos elogios da praxe ou pela disposição em aceitar pedidos de canções oriundas da plateia, a noite do concerto de Devendra Banhart tornou-se rapidamente numa espécie de “An Evening with Devendra”, tal não fora o ambiente intimista e de boa disposição que reinou do início ao fim.
Flying Wig, disco onze da carreira, foi o principal mote que ditou o regresso de Banhart a Portugal, fatia choruda nesse delicioso bolo que foi o alinhamento da noite de 7 de novembro. As restantes fatias foram igualmente salivantes, com o artista a contrabalançar o doce e acidez tanto através de alguns dos mais impactantes temas da sua carreira, como “Baby”, “Love Song”, ou “Quedate Luna”, como versões reimaginadas de artistas tão dispares como Chemical Brothers (“Let Forever Be”) ou Madonna (“Don’t Tell Me”). Os rearranjos de Devendra não se ouviram apenas em formato de covers, com destaque para a sua exímia banda e a capacidade de alternar entre registos de melancolia, para introspeções à boleia de sintetizadores ou de uma certa ginga em momentos reminiscentes de cumbia. Pelo meio dessa liberdade, e à boleia da boa disposição que se sente no meio daqueles que nos são próximos, nota para a indigestão em “Mi Negrita”, com teatralidades q.b. excessivas na cantoria do seu refrão a causarem alguma indisposição numa das suas canções mais emblemáticas.
Depois de uma hora e pico de concerto, “Carmensita”, e isto no seu registo vívido e enamorado, foi o ponto final num serão bem passado e que passou num instante. Na hora da despedida, e em jeito de contradição com resto da noite, houve pouco aparato e palavras de Devendra para o adeus. E como no pouco se diz muito, saiu-se do Coliseu dos Recreios com a perceção que o “até já” estará para breve, e se assim for, a família portuguesa lá estará para marcar novamente presença.
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Organização:House of Fun
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quarta-feira, 04 dezembro 2024